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quarta-feira, 15 de abril de 2009

Entrevista com Vitor José F. Rodrigues

Como é que foi o seu percurso até à Alubrat e à Psicologia Transpessoal? O que é a Alubrat Portugal e o que tem feito?
Na adolescência comecei a praticar meditação e a ler um grande número de livros esotéricos incluindo Pietro Ubaldi, Alice Bailey, Helena Blavatsky, Leadbeater, Annie Besant e muitos outros, além de obras sobre Parapsicologia, Yoga, etc. Interesso-me desde há muito pela Espiritualidade. Veio então o curso de Psicologia, sempre com a ânsia de reconduzir a mesma ao seu tema original de “Ciência da Alma”. Mais tarde, sobretudo a partir do início dos anos 90, conheci a Psicologia Transpessoal, que me trouxe algumas respostas. Com a DrªJúlia Peres e depois com a Profª Vera Saldanha fiz uma formação sistemática na área em conjunto com alguns amigos. Começámos a promover encontros-tertúlia sobre temas afins até que, tendo sido expulsos da sede da Ordem dos Médicos em Portugal após uma sessão mais “barulhenta” e por sugestão do Prof. Pierre Weil e da Profª Vera Saldanha em sincronicidade com as ideias do Prof. Mário Simões, vindo ao encontro do que já andava a germinar entre nós, decidimos criar a Alubrat, com um grupo de pessoas que eram maioritariamente licenciadas em Psicologia e em Medicina mas também noutras áreas. Estávamos em 1996. Depois, começámos a promover palestras abertas a todo o público, ciclos de estudos com diversos workshops, cursos, simpósios e congressos – em conjunto com o ramo Brasileiro. Podemos dizer que, desde a nossa fundação, temos sido uma das Associações transpessoais mais activas da Europa. Já organizámos largas dezenas de palestras e de workshops incluídos em 7 ciclos de estudos além de cursos, nomeadamente pós-graduações em Psicologia da Consciência ou formações em Terapia Regressiva em que os formadores foram na quase totalidade membros da Alubrat. Além disso, claro, vamos no 6º Congresso Internacional da Alubrat e estas organizações vão ficando a cargo, alternadamente, da Alubrat-Portugal ou da Alubrat-Brasil. Temos tido uma grande preocupação em comunicar com os meios académicos e promover uma formação de qualidade. Até já publicámos na Lidel, editora de prestígio em meios científicos, o livro “Psicologia da Consciência” que inclui trabalhos teóricos e de investigação feitos por pessoas da Alubrat de ambos os lados do Atlântico. Além disso, claro, alguns de nós têm publicado diversos artigos relevantes em revistas científicas – sobretudo o Prof. Mário Simões – ou livros – aí posso dizer que já publiquei pelo menos seis livros directamente pertinentes à nossa área.


Em termos de grupos não especializados, como explicaria o que é e quais as mais valias da abordagem transpessoal a não-psicólogos ou a psicólogos de outras áreas?
Gosto do termo “abordagem transpessoal” por remeter implicitamente para a ideia de um ponto de vista englobante em que pontifica a noção da busca de transcendência. Contudo, em muitas apresentações, prefiro falar em “Psicologia da Consciência” ou em “Estudos da Consciência” devido a algumas conotações que o movimento transpessoal adquiriu em alguns meios académicos, que o olham com suspeita de falta de rigor, sincretismo, superstições “New Age” e assim por diante. Diga-se que, por vezes, têm razão… Às vezes é mais modesto e exacto dizer que estudamos a consciência humana nas suas mais diversas manifestações e nas suas mais diversas implicações. O que é, assim, a abordagem transpessoal? Uma abordagem que reconhece o valor fundamental da Consciência como definidora do Humano pois ninguém é humano se não possui consciência experiencial ou seja consciência de si mesmo como sujeito da sua vida. Ao mesmo tempo, salientamos a importância de estudar o Ser Humano no seu melhor, ou seja, nas suas maiores capacidades e manifestações criativas na Ética, Ciência, Espiritualidade e Estética, na sua Saúde mais exuberante, nos seus melhores momentos de Felicidade e de transendência. Ora tudo isto costuma vir acompanhado por Estados Modificados de Consciência que aparentam ser condição necessária para tal. Por outro lado, a Psicoterapia Transpessoal, na definição por agora adoptada pela EUROTAS (Associação Transpessoal Europeia) através do seu grupo de trabalho sobre Psicoterapia (o qual tenho coordenado) diz o seguinte: um processo em que se utiliza a modificação de consciência, referindo-nos com isso a uma expansão quantitativa e qualitativa da consciência, de natureza não-patológica, como forma de reestruturar a identidade pessoal (ego) e o seu funcionamento psicológico e de, então, ir além numa perspectiva de unidade e cura. Na verdade, tenho verificado inúmeras vezes que o uso sistemático de estados modificados de consciência em Psicoterapia produz insights mais rápidos e profundos bem como reestruturações igualmente poderosas. Os níveis inconscientes tornam-se muito mais acessíveis – referindo-nos com isso seja ao inconsciente “inferior”, Freudiano, seja ao inconsciente “superior” de que falou Assagioli e que tem mais a ver com o potencial futuro do ser humano bem como com a chamada “sabedoria da Alma” ou do nosso “terapeuta interior”, como diria Stanislav Grof.


Quais as linhas de tendência de desenvolvimento da Psicologia transpessoal especificamente em Portugal e na Europa no geral? O que considera inovador em termos de aplicação desta abordagem noutras áreas?
Neste momento posso dizer que tenho verificado uma cada vez maior maturidade dos autores transpessoais, que são por um lado menos ingénuos nas suas ambições e, por outro, mais profundos evidenciando um frutuoso trabalho sobre si mesmos. Em Portugal o progresso tem sido sobretudo na divulgação e na promoção de formações. Por outro lado e a nível global, a Psicologia Transpessoal começa a encontrar sinergias importantes com outras áreas. Por exemplo, a investigação em Parapsicologia (incluindo pesquisas sobre Experiências de Quase-Morte, casos “de tipo reencarnativo”, curas anómalas etc) tem emprestado maior credibilidade científica à consideração da hipótese de que exista de facto um “Eu Transpessoal” independente do cérebro; a investigação em neurociências, nomeadamente com estudos recentes sobre neuroplasticidade, começa a tornar evidente que a mente exercitada sistematicamente produz efeitos quer momentâneos quer a longo prazo no cérebro – e estes podem implicar uma melhoria ética do ser humano e também ganhos clínicos muito importantes. Ora tais efeitos também recolocam a hipótese de a mente não ser sinónimo de cérebro mas eventualmente uma entidade capaz de interagir com ele na totalidade. A investigação sobre o Amor e a Felicidade, proveniente de várias áreas – nomeadamente as da “Psicologia Positiva” – mostra que o Amor é intensamente saudável seja em termos físicos ou psicológicos e que a Felicidade está ligada à realização do nosso potencial a todos os níveis. A investigação sobre Yoga e Meditação mostra que, em geral, são muitíssimo saudáveis e ajudam as pessoas a encontrar maior equilíbrio e uma vida mais significativa ao mesmo tempo que experimentam, com frequência, estados modificados de consciência que, uma vez mais, se revelam salubrizantes em vez de patológicos. No mundo empresarial, a perspectiva transpessoal fornece modos eficazes de gerir o stress mas também de encontrar novos sentidos e novos valores para o mundo do trabalho. Ao nível da sociedade global, a mesma perspectiva começa a fornecer modos alternativos de definir e considerar o fenómeno humano e isso pode ter grandes implicações politicas e mesmo económicas além de educativas.


Existe uma perspectiva ou leitura única do termo transpessoal nos vários países europeus e na Eurotas? Quais os elementos comuns e os que geram maior controvérsia? Que leitura faz deles?
A EUROTAS engloba, neste momento, cerca de 25 países e uma série de pessoas que estão longe de ter a mesma perspectiva acerca do que seja o movimento Transpessoal. Algumas reagem à tendência céptica do mundo científico tornando-se... cépticas em relação à Ciência, o que me aprece um erro enorme pois no mundo actual, como o próprio Dalai Lama reconheceu, há que saber falar a linguagem da Ciência dado o poder que ela tem sobre a opinião pública e as instâncias políticas mundiais. De outro modo, seremos pouco mais do que um gheto de pessoas convencidas de que têm respostas importantes mas às quais ninguém escuta. Tenho verificado uma tendência “New Age perigosa na área Transpessoal pois algumas pessoas, cheias de boas intenções, acreditam em tudo e mais alguma coisa e esquecem-se de aproveitar os ganhos que a Ciência trouxe na distinção entre superstição, pensamento esperançoso, ilusão e conhecimento devidamente fundado seja na experiência individual ou na experiência na terceira pessoa, típica da Ciência ortodoxa. No entanto, a generalidade das pessoas nesta área reconhece, creio, que a Ciência e a espiritualidade devem caminhar em paralelo e em cooperação e que hoje em dia é absolutamente necessário encarar de modo diferente os seres humanos e o seu papel no ecosistema global. Além disso, muitas pessoas ligadas ao movimento parecem enfermar do antigo problema de muitos místicos: acabam por não gostar da sociedade actual, afastam-se dela, refugiam-se nas práticas espirituais e na ambição de encontrar a iluminação e esquecem-se um pouco de arregaçar as mangas e trabalhar de modo realista e empenhado para melhorar este mundo...


E quais os equívocos mais frequentes?
Gostava de salientar somente um: a tendência, como diria Ken Wilber, para confundir o que é pré-pessoal, supersticioso, da linha do pensamento mágico e da falta de diferenciação pessoal daquilo que é trans-pessoal e implica mais e melhor do que ser apenas uma pessoa fechada nas suas auto-referências, ilusões, desejos pessoais.


Quais os principais desafios que crê que neste momento se põem à psicologia Transpessoal – e /ou quais os seus mais importantes desenvolvimentos nos próximos anos?
Acredito que a Psicologia Transpessoal deve incluir, cada vez mais, um programa de pesquisa que demonstre a eficácia – que é enorme – das Psicoterapias por Modificação da Consciência. Penso também que há que levar mais longe a investigação em Parapsicologia tentando demonstrar a realidade de que somos mais do que um corpo físico com um excelente processador na cabeça. Outro desenvolvimento previsível e desejável consiste em mostrar, a nível global, que a perspectiva transpessoal traz respostas acerca de como lidar com o fenómeno humano, com a Educação, a Cultura. Note-se que até na reabilitação de criminosos graves alguns autores ligados ao Transpessoal têm demonstrado ganhos evidentes na prática de meditação, por exemplo. Não nos serve de muito, nem somos muito úteis para a Humanidade, se não obtivermos um impacto muito maior junto da opinião pública. Pouco importa sermos “iluminados” e cheios de respostas se não somos capazes de nos fazer ouvir. Ora, para isso, há que saber falar a linguagem da Ciência e mesmo a da Tecnologia. Pierre Weil, por exemplo, desenvolveu uma obra notável que evidencia o grau em que concordava com isto.


Que leitura faz da situação mundial neste momento utilizando os conceitos da Psicologia da Consciência?
Estamos a viver uma crise provocada, entre outras coisas, pela sobreposição de valores economicistas em relação a valores éticos e estéticos. Por outro lado, alguns valores antigos e que tiveram certa medida de êxito no passado, ligados à conquista, à competição, à guerra, à força, à obtenção de território físico, estão agora a ameaçar trazer a Humanidade próximo da extinção. Já não podemos fazer guerra à Natureza, outrora até designada como “inferno verde” em certos contextos, nem explorar ilimitadamente recursos finitos, nem poluir ilimitadamente o nosso cada vez mais pequeno espaço planetário. Há que afirmar valores ligados aos reinos do Espírito, salientar que no mundo da Alma o que enriquece uns enriquece todos, o contributo de cada Cultura local enriquece a Cultura global. Para isso, claro, a ética e a estética devem ser reconhecidas como fundamentais para uma existência humana com qualidade e bem-estar. Há que perceber, cada vez mais, que o que diminui, encolhe ou nega a clareza mental, a consciência e o Amor é “mau” e deve ser evitado.

Vítor José F. Rodrigues tem 48 anos de idade, casado e com uma filha. Psicólogo e Psicoterapeuta, doutorado em Psicologia Educacional pela Universidade de Lisboa. Foi Presidente da Alubrat em Portugal entre 2003 e 2009 e é Presidente da EUROTAS (European Transpersonal Association) desde 2005. Autor de dez livros e variados artigos, muitos dos quais na área transpessoal. Formador e conferencista internacional na área da Psicologia da Consciência.

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